Cartas - IV


Em 1970, anos de maior poder do regime militar que governava o Brasil, um dos grupos revolucionários, Vanguarda Popular Revolucionária (VPR), decidiu por seqüestrar o cônsul dos Estados Unidos, em Porto Alegre, Curtis Carly Cutter. O sequestro do embaixador norte-americano no Rio de Janeiro em 69 foi praticado por um comando conjunto da Ação Libertadora Naciona - ALN - e o Movimento Revolucionário 8 de Outubro . Havia a premissa de que ALN obtivera sucesso no seqüestro do embaixador americano, no ano anterior. Assim, o seqüestro de uma autoridade menor, um cônsul, seria mais fácil e a operação com sucesso garantido. O que aconteceu, ao fim, foi o insucesso para os seqüestradores e, apesar de baleado, o cônsul saiu vivo do posto problemático, retornando ao seu país. Nos Estados Unidos, os anos 1970, mostravam os frutos do sucesso das lutas contra o apartheid interno – a campanha pelos Direitos Civis, com a ampliação da fronteira de postos de trabalho para os afro-americanos.
Assim, para substituir o cônsul Curtis, o Departamento de Estado americano designou o diplomata afro-descendente Robert Austin Lane. Tínhamos,o cônsul e eu, assuntos comuns: W. E. B Du Bois, Machado de Assis, James Baldwin, José do Patrocínio, Richard Nixon, Garrastazu Médici, Pelé, Martin Luther King, Carlos Santos. Músicos brasileiros e americanos: Pixinguinha ou DuBose Heyward. A minha ACM, ou a sua YMCA. No primeiro ano de sua estada em Porto Alegre, consolidamos uma boa amizade, almoçando juntos, uma vez por semana, no Hotel Plaza, para basbaquice de indiscretos comensais. O Consulado Americano, àquele tempo, costumava convidar, anualmente, um político e um jornalista, para visitar os Estados Unidos. Soou natural, para mim, quando em 1971, na condição de editor de Política, do Diário de Notícias, recebi uma carta do Embaixador Americano, com o convite para a visita. O político indicado, que viajou no mesmo período, era o jovem deputado estadual, Pedro Simon, depois governador do Estado e reiteradamente senador. Ao fim deste capítulo, Cartas IV, entrevistas que fiz com o cônsul Robert Lane e com o deputado Pedro Simon, para a revista PARLAMENTO¹.
¹- Criada por jornalistas da área parlamentar e política, teve como diretores Salomão Kirjner, José Luiz Pereira da Costa, Paulo Sérgio Corrêa e Orlando Loureiro. Foi seu diagramador Aníbal Bendati.

A carta:




O roteiro da viagem.




ONDAS CURTAS – ANTES DOS SATÉLITES

 Eu era bem menino, início dos anos 1940, e as ondas curtas faziam sucesso, por que traziam a cultura, os hábitos e informes sobre pessoas e civilizações de que se tinha notícia apenas nos livros. Eram tempos em que longas viagens eram para muito ricos ou aventureiros, também ricos. O primeiro rádio que meu pai comprou, um Philips, já vinha com a maravilha das ondas curtas. Podíamos ouvir, durante o dia, rádios do Rio de Janeiro, como às poderosas Nacional e Tupy, nas suas freqüências de 25 ou 49 metros. As de São Paulo, também, mas nossa geração carregava uma antipatia por tudo que viesse dos irmãos paulistas. Era um fascínio o que ofereciam as ondas curtas, nas tardes de sábado e domingo, complementando a programação noturna que era ouvida em ondas médias, com mais qualidade sonora do que as emissoras locais. Apenas tinham como rivais, as poderosas rádios de Buenos Aires. As ondas curtas, em seguida, foram entendidas por governos como condutoras de suas idéias. Tornaram-se, assim, cada vez mais poderosas, as estações de Londres, da BBC, de Washington, da Voz da América. Na ausência dos satélites da atualidade, foram montando estações repetidoras, também fantasticamente poderosas, no caso da BBC, nas colônias espalhadas pela África e Ásia. Os Estados Unidos as instalaram em territórios dependentes como o Panamá, e a Libéria na África do ocidente. No pós Segunda Guerra, entraram nessa área inúmeros países europeus, como os pioneiros, todos com programas em idiomas das áreas a que desejavam atingir com sua mensagem, com sua cultura, com seu comércio. No início dos anos 1950, a Voz da América - VOA, com sua programação em Português, destinada especialmente para o Brasil, superava em audiência muitas emissoras de capitais e preenchia os espaços ausentes de qualquer emissora brasileira em imensas áreas do Norte e Nordeste. Também disputava a sintonia brasileira, a Rádio Moscou, com mais intensidade na medida em que esquentou a chamada Guerra Fria. A Deustch Welle, da Alemanha, era a companheira das noites rurais, na campanha e cidades do Rio Grande do Sul e Santa Catarina, onde se dera a imigração alemã. Na região italiana desses estados, captavam as ondas curtas a La Voce d’Italia. Gana foi o primeiro país ao Sul do Saara a se tornar independente. O líder da Independência, Kwame Nkrumah, que havia passado boa parte de sua vida nos Estados Unidos e na Inglaterra, sabia muito bem da importância das ondas curtas. Assim, das primeiras providências que tomou, foi montar um fantástico parque de transmissões de ondas de rádio em seu país. Nkrumah queria ensinar a distantes irmãos africanos que a independência que sua Costa do Ouro conseguira, tornando-se a República de Gana, era não somente possível, mas um mandamento. Pelas ondas curtas, foi formando líderes africanos e insuflando-lhe a auto-estima, corroendo o poder de quem ainda os colonizava. Podia-se ouvir programas em Suaíle e outros idiomas, para o Leste Africano. Artistas do Quênia, de Tanganica, de Zanzibar ou Moçambique, eram levados a Acra, para motivar seus irmãos, nas transmissões que chegavam a suas terras distantes, desde os estúdios em Acra. As ondas curtas cunharam um ícone nos anos 60, Kwame Nkrumah, de Gana. E as transmissões, ouvidas nos pequenos rádios chineses e japoneses, com transistores, que inundavam a África, eram chamadas de “O Grande Tambor de Nkrumah”. Metáfora perfeitamente adequada ao instrumento milenar, condutor das mensagens entre os povos do Continente. Nos anos seguintes, quando a quase totalidade dos países africanos havia se tornado independente, as ondas curtas passaram a servir como arma poderosa, nos golpes-de-Estado. A primeira coisa que faziam os golpistas, quase sempre militares, era tomar conta dos transmissores e informar que o país tinha novos mandantes. Nkrumah foi uma das vítimas disso. As ondas curtas levavam idéias, informações e desinformação a alvos bem definidos pelos emissores. Gerações atuais e vindouras talvez nunca saberão o que foi uma transmissão em ondas curtas, assim como as atuais, somente pesquisando nos arquivos de jornais antigos saberão o que eram as radiofotos – instantâneas, amplamente usadas na Segunda Guerra Mundial, a festa dos pioneiros editores de páginas internacionais. Assim, como mero registro informativo para quem, mesmo agora, mas no futuro queira saber como soava uma transmissão em ondas curtas, segue a operação seguinte: Um dos compromissos que teria de atender, em Washington, era uma entrevista nos estúdios do programa brasileiro da Voz da América. Houve um acerto entre o consulado local e o pessoal de Washington, de forma que na hora da entrevista o pessoal de Porto Alegre sintonizaria a emissão da VOA e gravaria. Assim foi a entrevista e assim se ouviam Ondas Curtas:

Entrevista - Ondas Curtas

Também fica registrado aqui o que sobrou do material que publiquei, tanto no Diário de Notícias,
quanto na revista Parlamento, sobre minha visita aos Estados Unidos.





Potiguar Figueirêdo Matos

Potiguar Figueirêdo Matos (também encontramos grafado Potyguar Figueirêdo Mattos) nasceu em Pesqueira, Agreste de Pernambuco, em 11 de abril de 1921. Bacharel em Ciências Jurídicas e Sociais pela Faculdade de Direito do Recife, formou-se, também, em Licenciatura e em Bacharelado em Geo-História, pela Faculdade de Filosofia Manoel da Nóbrega, da Universidade Católica de Pernambuco (UNICAP). Dedicou-se ao magistério e ao jornalismo, tendo lecionado em quase todos os colégios do Recife, entre eles, os Colégios Nóbrega e Salesiano, e a Escola Técnica Federal de Pernambuco. Foi professor de História da UNICAP, da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), da Universidade Federal da Paraíba (UFPb), da Faculdade de Filosofia do Recife (FAFIRE) e da Faculdade de Formação de Professores de Nazaré da Mata, pertencente à Universidade de Pernambuco (UPE). Foi vice-reitor e o primeiro reitor leigo de uma Universidade Católica no Brasil, a UNICAP (1968-1971); presidente do Serviço Social Contra o Mocambo -SSCM (1972-1975); chefe do Departamento de História da UFPE (1976-1980) e diretor do Arquivo Público Estadual Jordão Emerenciano (1991-1996). Foi presidente do Conselho Municipal de Cultura (1994-96) e membro da Academia Pernambucana de Letras (APL). Ingressou no jornalismo, ainda adolescente, escrevendo n'A Voz de Pesqueira, nas décadas de 30 e 40. Foi editorialista, cronista e articulista do Diario de Pernambuco. Deixou vários trabalhos publicados, entre ensaios, discursos e poesias: Da História Americana - Possíveis Sugestões em Torno de uma Interpretação Pragmática; História: o Problema da Natureza; Considerações à Margem de um Humanismo; Em Torno de uma Teoria do Simbolismo; Gilberto Freyre, Historiador; Exercícios de História - Alguns Temas Sugestivos; Cultura Luso-Brasileira e Ecumenismo; Atualidade dos Estudos Históricos; Clube Internacional do Recife - Um Século de História; A Face e o Tempo (Prêmio de Poesia Othon Bezerra de Mello, da Academia Pernambucana de Letras, 1982); Gente Pernambucana; Gilberto Freyre, Presença Definitiva. Postumamente, foram publicados Canto do Efêmero (poemas); A Face na Chuva e Ventos de Agosto (ambos de artigos e crônicas). Morreu no Recife, em 19 de fevereiro de 1996.






DN, pg 6, 16/05/1971
DN, pg 6, 16/05/1971

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